segunda-feira, 30 de maio de 2011

Restaurante Japonês
Maio 2011
Gravando. Estou de costas para as pessoas, olhando pela vidraça do aeroporto, em São Paulo, aguardando a chamada do vôo para Paris.
Comprei este brinquedinho novo, um Iphone da Apple. É o único item de consumo que me mobiliza, de resto o comércio fecharia as portas se dependesse de mim.
Ok. Já que o vôo está atrasado, como sempre, vou gravar alguns dados pessoais, como costumo fazer. Me chamo Pedro, por incrível que pareça, já que sou nissei, filho de japoneses. Meus pais vieram para o Brasil pouco antes do meu nascimento e acharam conveniente me batizarem na Igreja católica com o nome de seu fundador. Queriam falicitar minha adaptação ao Brasil, onde eu seria e fui criado.
Tenho quarenta anos e moro com meus pais. Tive namoradas mas não me casei. As mulheres me assustam um pouco porque são muito reivindicativas. Uma que quase se mudou para minha casa sem ser convidada, mudava os móveis do meu quarto de lugar quase todas as semanas, jogava fora objetos de decoração e comprava outros a seu gosto, foi invasivo demais, tive que romper. Tentei uma nissei, como eu, mas ela, apesar da criação mais contida própria de um lar japonês, já tinha assimilado essa extroversão brasileira e era bastante contemporânea e decidida, escondia seu lado suave, queria vencer. Não é que eu seja machista e esteja procurando uma mulher submissa mas não posso abandonar meus pais e uma mulher que case comigo terá se adaptar a nós e não o contrário, é difícil.
Enquanto isso moro com meus velhos pais, a quem reverencio, porque me deram todos os recursos já que sou filho único e hoje estou satisfeito na vida profissional graças à eles, que me deram as condições.Trabalho, tenho amigos e amigas e muita privacidade no meu confortável apartamento nos Jardins, em São Paulo. Meus pais não me dão trabalho. Ela cozinha, ele lê. De manhã ela vai dar seu passeio, comprar alimentos para um ou dois dias. Ele vai para o terraço cuidar dos seus bonzais. Fui criado neste sereno lar japonês. Nele ninguém grita.
Vou embarcar e me acomodar, depois volto a gravar.
Nada como planejar uma viagem com bastante antecedência porque assim consigo o que quero: poltrona do avião na janela, quarto de hotel adequado ao meu gosto... Não gosto de imprevistos, surpresas, improvisações. Mas se acontecerem, me adapto.
Hospedei-me no Hotel des Marronniers, na rue Jacob. Consegui apartamento no quarto andar onde tenho sossego total, vista para o jardim, os telhados de Paris e a Torre da Igreja de St.- Germain-des-Prés. Gosto deste bairro, quartier como se diz aqui. Posso ir à pé aos museus que quero ver dessa vez: o Musée d’Orsay, o Musée de l’Órangerie e, claro, o Louvre. Vim só pelos impressionistas. Mas posso deixar de ir ao Louvre. Tenho uma amiga que diz que cada vez que vem a Paris entra correndo no Louvre, olha a Mona Lisa e vai embora. Como bom japonês eu sorrio, compreensivamente, mas tenho que me controlar porque, para mim, o Louvre é museu para se ficar vendo por um ano, ao menos, e se fôsse possível, levar um colchonete e dormir lá dentro para não perder tempo. Admito que as viagens estão mais curtas e apressadas, como tudo em geral. Como não saber disso morando em São Paulo? Porém minha origem me salva de adotar o stress como norma. Está na minha genética o retraimento, o controle, o desconforto em mostrar demais os sentimentos. É curioso que, para os ocidentais, se você recebe um presente deve desembrulhá-lo na hora, na frente de quem lhe deu e expressar sua alegria; é falta de educação não fazê-lo. Já o japonês não abre o presente na frente de quem lhe deu, seria falta de educação, porque a pessoa pode não gostar do presente que recebeu e seria desagradável que isso transparecesse de alguma forma. Tudo está sendo gravado.
Após descansar pela manhã, no hotel, fui procurar um restaurante no caminho para o Musée d’Orsay, o que não é nada difícil em Paris. Comi bem e não foi caro relativamente à qualidade da comida. Não é preciso ir a restaurantes caros para se comer bem aqui.
Dirigi-me ao andar superior, one ficam os pintores impressionistas e neo-impressionistas. Apreciei Almoço na Relva, de Edouard Manet, Baile no Moulin de la Galette, de Renoir, La Belle Angèle, de Gaugin. Olympia, de Edouard Manet, Camponesa de Breton, de Paul Gaugin, Ninféias Azuis de Claude Monet. Há muito o que ver mas vim pelos impressionistas.
Sentei-me num café e pedi um delicioso doce da famosa patisserie francesa, que apontei com o dedo e degustei com um café. Preciso uma pausa para assimilar o que vi e tecer considerações. Gravando . Porquê o impressionismo me impressiona? Sim, é o que eles queriam, causar uma impressão forte por obrigar o apreciador a participar da obra, quase que a completá-la por vezes. Não fazia sentido, depois do advento da fotografia, continuar retratando a realidade. Tiveram que buscar outros caminhos. A pintura soltou as amarras do realismo, do academismo. Trataram de se preocupar com a luz, o movimento, em pincelada soltas. Bem verdade que a perícia continua presente, quando eles querem, mais em alguns do que em outros. Edouard Manet era muito preciso quando queria. Como na vendedora de bebidas: Un bar aux folies Bergère. O quadro apresenta vários detalhes, não é pintura de preguiçoso, ele trabalhou. Curioso que colocou a moça bem no centro do quadro, o que não é muito estético porém com a sua sombra quebrando a simetria. O quadro do copo com quatro rosas me agrada mais do que a famosa Olympia. Além da transparência da água no copo, os tons das rosas vão descendo do vermelho para o amarelo e a rosa branca, mais perto de nós, formando um conjunto que parece seguir as regras da ikebana, os arranjos florais japoneses: poucos elementos, o sol (o pai), a lua ( a esposa) a terra (o filho) em alturas decrescentes, por questão de hierarquia.
Muito prazer me deu o quadro Pommes et oranges de Paul Cézanne. Tema simples, arranjo que encontra harmonia numa ordem imperfeita, imprecisa. Muito agradável. Quanto à Edgar Dégas, gosto de La classe de dance. De Pierre Auguste Renoir prefiro Danse à la ville do que o mais famoso Bal du Moulin de la Galette. Também gosto de Two sisters (On the terrace).
Dá tempo de ir à pé até o Musée de l’Orangerie. Nã sei se vou ao Louvre e deixo este para amanhã. Daqui para o Louvre é só atravessar a Pont Royal sobre o rio Sena, para a Rive Droite, o lado direito do rio, e à direita, no Quai (Cais) du Louvre, lá está ele.
Não. Deixo o Louvre para amanhã.
No Musée de l ‘Orangerie (Entre o Jardin desTuileries e a place de la Concorde) apreciei Cézanne, Renoir e a série das Ninféias , de Claude Monet. Nas Nymphéas bleus, a distribuição das flores me parece fugidia, leve, induz a entrar na tela. Gosto de Le Bassin au nymphéas, harmonie verte. Um espetáculo que mantém suavidade.
Preciso repousar a vista, sentar um pouco. Processar. Penso em Van Gogh mas não vou falar de girassóis. Gravando. Embora o Amarelo de Van Gogh me impressione muitíssimo. Mas o que mais o representa para mim é Aos portões da eternidade. O desespero deste homem cansado, magro, simples, aos pés da lareira que não aqueciam nem confortavam a sua dor, era ele, Van Gogh. Até mesmo a posição dos pés, que não estão nem para dentro, nem para fora, estão ali, obedientes, aguardando enquanto o homem vive a sua angustia.
Isto me faz pensar no fato das mulheres apreciarem tanto um “homem sensível”, como elas dizem. Prefiro me mostrar calado e prático no trabalho para poder escolher à vontade, senão minhas colegas descomprometidas vão querer se casar comigo...
Gauguin era mais extrovertido. Penso que ele não sofria, nem era equilibrado. Ele era prático. Sua mão é mais pesada, acho eu. A mulher de azul me parece bem agradável e pergunta com a pose e os olhos “Quando é que isso vai acabar, quero beber água, ir ao banheiro, qualquer coisa”. É Gauguin.
Vou direto para o Palais de Tokyo, jantar no Tokyo Eat. Desço no metro Alma, em Chaillot, para a esquerda, pela Avenue de New York e lá estou. Na volta desço no metro St.-Germain-des-Prés e ando à pé até o hotel, na rue Jacob.
Quando chegar em casa, em São Paulo, guardo a gravação em CD na gaveta, ainda cabe, catalogada como viagem à Paris, maio 2011, Impressionistas.Não importa o destino das minhas gravações. Importam as minhas lembranças que guardo comigo durante muito tempo enquanto enfrento o trânsito e a poluição do ar de São Paulo no cotidiano dos dias de trabalho.

Um comentário:

  1. Querida amiga

    Embora não conheça Paris pessoalmente, me senti em Paris, visitando seus museus, caminhando por suas ruas.
    Você é realmente incrível.
    Com carinho
    Juraci

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