domingo, 22 de maio de 2011

CAIXAS QUADRADAS

- Caramba, essa mulher que veio fazer Regressão comigo é uma perua carioca das boas!
Parece ter uns setenta anos e usa esse layout de vinte aninhos, com corpinho supermagro, minisaia, botas (acho que carioca pensa que em São Paulo pode aproveitar pra usar botas!),
a cara recheada de botox, depois de pelo o menos duas plásticas... Como vou aguentar? O que será que essa criatura quer? Qual será o problema dela? Se fôr pra me pedir pra achar a Alma Gêmea dela eu acho que vou ter um treco. Sou espiritualista mas sou humana!... Melhor respirar fundo e atender. Afinal veio do Rio só pra me consultar...
- Olá! Vamos entrar?
-“Essa garota é tão novinha... Será que tem pique pra mim? Meu Deus! Ela deve ter nascido quando eu estava casando... Vamos ver”.
- Então... Daniela. Por que você quis fazer TVP?
- Terapia de Vidas Passadas? Ah, sim. Bem... Me falaram muito bem de você e eu resolvi tentar. Afinal não sou mais tão jovenzinha assim e preciso resolver logo meus problemas, “partir pro abraço”, se é que você me entende...
- Sim, mas o quê te incomoda mais especìficamente?
- Olha, Marcela, pra te ser franca... Vou logo direto ao assunto... Quero encontrar minha Alma Gêmea... Que foi, te asustei? Sim, eu aceito um copo d’água também.
.......
-Posso te fazer uma pergunta, Daniela?
- Gosto que me chamem de Dani.
-Ok, Dani. Você nunca casou? Não acha que já encontrou sua Alma Gêmea, seu parceiro ideal?
- Ora, Marcela, claro que casei. Quatro vezes. Três filhos. Aliás, dois filhos e uma filha. Fora isso já namorei o Rio de Janeiro inteiro (aqui pra nós que ninguém nos ouça) e mais a metade de
São Paulo... Mas não acho que tenha encontrado a minha Alma Gêmea.
- Mas você se apaixonou?
- Diversas vezes... E ainda assim, acho que isso não tem nada a ver com Alma Gêmea, concorda comigo? Aliás, estou te incomodando com meu cigarro porque, sinto muito, mas eu fumo um atrás do outro, não tem jeito...
- Ok quanto ao cigarro mas para relaxar, não é por mim, não vai dar certo... Vamos ter que passar para aquelas poltronas ali e eu vou colocar um CD de música de relaxamento, tudo bem?
- Tudo bem mas você disse que não tinha nada de hipnose...
- Não tem. Só relaxamento. É preciso que você entenda que as respostas não vão vir de mim, vão aflorar de você. É você que tem as respostas pra sua vida, foi você quem viveu outras vidas que estão registradas dentro de você e que só você pode acessar. Eu apenas vou te ajudar, te induzir e te ajudar. Ok?
- Ok. Vamos lá.
.......
- Me diz, Dani, o que você está vendo. Não pensa , sente. Diz logo.
- Caixas quadradas.
- Caixas quadradas. Você está vendo ou só sentiu? Ou foi a primeira coisa que te passou pela cabeça?
- Resposta número três.
- Essas caixas , quantas são?
- São duas.
- Têm cor?
- Não consigo ver.
- Não importa. Consegue sentir de que tamanho seriam essas caixas?
- Posso inventar que são grandes, pode ser imaginação.
- Não corta a energia, Dani, você sabe que tem duas caixas quadradas, não sabe as cores... São grandes.. Quanto grandes? Cabe o quê nelas?
- Numa cabe roupas. Noutra cabe um violino.
- Onde você está ? Essas caixas estão nesta vida de agora, alguma mudança que você fez? Ou ..
- Não são modernas. Não se fazem mais caixas assim. São meio século dezenove... Amarradas com laços enormes. A das roupas com cor- de- rosa, a do violino com amarelo. Eu odeio cor- de- rosa!... Mas estou vendo ou sentindo, sei lá...
- Dani, você não gosta de cor- de- rosa agora, no século vinte e um. Você é uma mulher moderna. Você quer estar sempre na crista da onda, quer estar sempre jovem. Isto é agora. Mas como era no tempo dessas caixas? Você gostava de rosa? Você gostava de música?
- Huum... Parece que eu gostava de rosa sim, rosa forte. Gostava de ouvir música erudita mas não sabia tocar violino. Nunca soube. Agora, então, eu gosto de MPB e Rock.
- Volta pra lá, Dani.Você gostava de música. Quem tocava música?
- Não sei...
- Quem, Dani?
- Daniela. Nesse lugar eu sou Daniela... Estamos saindo do palacete... As caixas estão no salão... Ele ... Ele toca violino... Não sei quem é, não consigo ver o rosto... Eu não tenho nada a ver com século dezenove, dá um tempo!...
- Vamos parar um pouco.
......
- Entenda. Muitas vezes a gente encarna com personalidade oposta à que tinha no passado. Normalmente a gente acessa a encarnação na qual estamos mais interessados. Você foi logo no século dezenove, um palacete, duas caixas, sabe até o que tem dentro. Entenda, Dani. O fato de você ser muito moderna nesta encarnação não quer dizer que tenha sido sempre assim. Pelo contrário. Outros aspectos precisam ser trabalhados , então a personalidade desenvolve características diferentes, muitas vezes opostas.
- Até aí posso aceitar. Mas se esse homem for a minha Alma Gêmea. Que que ele está fazendo no século errado?
- Você é rápida demais. Realmente você não quer perder tempo. Ao que tudo indica você teve vários maridos, vários casos, teve filhos e não sentiu aquele amor pleno que costumamos chamar de amor pela Alma Gêmea. Entendo que você queira experimentar essa sensação e provàvelmente é porque você a conhece muito bem e sabe que é o que dá o maior sentido à vida.
- Mas as mães dizem que não tem amor igual ao materno. Desculpe mas eu não sinto assim. Amo muito meus filhos mas, veja, agora eles estão lá, criados , cuidando da vida deles e eu sòzinha...
- Eu entendo. As mães que me desculpem mas o seu “ feeling” não esta errado não.
Preciso te revelar algo. É que , infelizmente, não são todas as pessoas que encontram sua Alma Gêmea na encarnação que estão vivendo.
- Como? Você está me dizendo que eu me casei quatro vezes, tive vários casos e que nenhum era minha Alma Gêmea e ponto final? “That’s it?” Vou morrer e não vai rolar? Mas então como as pessoas ficam casadas tantos anos?...
- Não estão necessàriamente com suas Almas Gêmeas... É cruel mas é verdade. E podem ser muito felizes e realizadas mas dentro de um certo limite...
- Quê que é isso?!
- É assim. Encontrar a Alma Gêmea em uma determinada encarnação é um privilégio. Às vezes é preciso abrir mão de outros privilégios como dinheiro, por exemplo. Pouca gente abre mão, sabia?
- Peraí. Pra encontrar a Alma Gêmea tem que ser pobre?
- Não. Esse é apenas um privilégio, diga-se de passagem, o mais evoluído de todos. Os dois têm que estar preparados para isso, se não se sentirão tão completos que não farão mais nada na vida além de ficarem ali, se completando. E as pessoas encarnam com um propósito, com uma missão. Elas têm que cumprir sua missão, fazer os seus aprendizados, receber as lições que estão predestinadas para elas.
- E o livre-arbítrio onde fica?
- Fica no dia e hora em que aquela lição será aprendida, pode ser cedo, pode ser tarde. Pode se repetir caso a pessoa nao entenda da primeira vez. Também pode aprender por bem ou por mal. Acredite, sobra bastante livre- arbítrio pras pessoas exercerem.
Quanto à sua busca, que é da sua Alma Gêmea... Se você tem esse apelo tão forte é porque já viveu com ela alguma encarnação, provàvelmente essa do século dezenove.
- Então não vou ter Alma Gêmea nessa encarnação? Vou ter que morrer?
- Nao entendi...Todos vamos morrer, acho. Nao sei se a sua Alma Gêmea vai aparecer pra você nessa encarnação e conviver com você, do jeito que você queria...
- Espera, volta a fita. Você disse, “ todos vamos morrer, acho”. Como “ acha”?
- Isso é um conhecimento que não cabe aqui no trabalho que estamos fazendo. Infelizmente não posso compartilhar com você. Mas você ja deve ter ouvido falar de mundos paralelos.
- Nunca ouvi.
- Bem, vamos continuar.
.........
-Daniela, onde você está?
- Outra vez olhando para as caixas.
- Como você se sente?
- É forte, tenho que voltar o filme um pouco. Primeiro confusa. Depois reconhecendo o chão onde estou pisando...
- Onde você está?
- Numa estrada ladeada por um bosque. Estou entrando por um portão enorme que está sendo aberto pra mim. Vejo o pátio, o lago com o chafariz, o palacete em frente. Passei de confusa à segura. Sei o que estou fazendo, sei para onde estou indo. Subo as escadas. A porta do palacete se abre. Entro no salão. As caixas quadradas estão lá. Duas. Sim, são beges. Uma com roupas dentro, amarrada com fita cor- de- rosa forte e a outra com laço de fita amarelo, a que contém o violino. Viro para a sala e, de costas, sentado em uma poltrona está um homem. Ele usa cartola. Ele se levanta quando eu entro . Vou ver seu rosto... Não vejo. Só sinto uma enorme felicidade. Ele estava esperando por mim para irmos embora. Para algo feliz, talvez uma viagem, não sei.
- A sensação?
- É de felicidade. É de reencontro. É de quem foi se despedir dos arredores e voltou para viajar com a sua Alma Gêmea... Estou cansada agora.
- Vamos parar.
.......
- Marcela, fala sério. Tudo bem, eu vi o que eu vi, eu senti o que eu senti. Eu vou pagar o combinado pelas horas que você perdeu comigo. Mas... Isso pode ser tudo da minha imaginação. Eu estava consciente o tempo todo, posso ter inventado tudo isso tranqüilamente...
- Você acha? Sinto muito mas é só o que posso fazer por você.
.......
-“Engraçado... Com essa confusão na ponte aérea preferi voltar de ônibus para o Rio. Acho que só fiz isso uma vez, quando jovem.
Daniela... Me senti bem, pela primeira vez, como Daniela. Que incrível! Depois de tantos anos... Pra falar a verdade, tantas décadas... Ei... O que é aquilo, aquele bosque... Será que vou dar uma de louca? Vou. Vou sim. Já passei da idade de me preocupar com o ridículo. Vou mandar parar esse ônibus e descer agora, não quero saber.

.......
- Sim. É Marcela, pois não? Sim, eu atendi a Dani há três dias. Ela disse que iria voltar para o Rio no mesmo dia. Não tem registro nas companhias aéreas? Bem... Está tudo tão bagunçado... Ela não tem alguma amiga em São Paulo? Ela telefonou e disse que estava voltanto? ... Mas não chegou?... Não sei o que dizer... Ela foi atendida por mim, sim. Estava normal, sim. Não houve nada. A recepcionista viu ela sair, até pediu um taxi de cooperativa pra ela. Posso lhe fornecer o nome da cooperativa. Um instante.
...... Espero que consiga localizá-la e que esteja tudo bem. Você é a filha dela? Sei. E ela nunca sumiu antes? Bem, então é preciso ter calma porque ela há de aparecer. Por nada. Boa tarde.

“Meu Deus! Afasta de mim esse cálice. Me livra de qualquer resposabilidade nisso daí. É muito raro acontecer. É caso de um em um milhão... É preciso que a pessoa tenha muita vontade e seja muito audaciosa... Como a Dani”.

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