segunda-feira, 23 de maio de 2011

A PORTA BRANCA
Maio 2011

- Maria, avisa pra minha mãe que eu já estou no consultório. Cadê ela. Chama ela aí. Hummm. Diz pra ela me ligar.Tchau.
- Não, é a Maria lá de casa, não é você não. A doutora Cláudia está com paciente? Ok, eu espero.
“Sumiu por trás dessa bendita porta branca, de novo. Estou esperando há uns quize minutos. Se a doutora Cláudia não está atendendo porque não me chama logo, pra acabar com essa aflição? Melhor não. Melhor a Vânia chegar.”
- Fala, mãe. Falo eu? Que que você quer que eu diga? Estou super nervosa, a Vânia ainda não chegou. Se esse exame der positivo eu me mato! Aliás, não, a doença me mata. Eu não quero morrer. Como calma?! Não dá pra ficar calma! Mãe, vou desligar e esperar a Vânia chegar. Eu estou me controlando... Estão tocando a campainha, deve ser ela. Tchau , mãe. Aviso, sim. Ok.Ok. Tchau.
- Caramba, Vânia, já estou sòzinha nessa sala de espera há uma eternidade...
- Aposto que você chegou há uns quinze minutos.
- É. Uma eternidade pra quem vai receber o resultado de um exame que pode ser uma sentença de morte.
- Calma, Suzie. Não somos mais crianças, estamos com quarenta anos e desde garota que você é assim, asustada. Pensa positivo. Quer uma frase batida? Vai dar tudo certo.
- Ah, não, Vânia. “Vai dar tudo certo”, “Tem que correr atrás”e “Com certeza”não dá mais pra aguentar.
- Ha,ha,ha!... Nem bolero de Ravel, Memories, Deixa a vida me levar... Ha,ha,ha... Roda Viva é boa, é muito boa, não acha, Suzie? Ha, ha, ha... Está rindo, Suzie! Bom sinal. Você está mais descontraída.
- Tá bom! Mas respeita os clássicos musicais, por favor. Odeio gente debochada! Não é porque você está aqui esperando um exame que pode me condenar à morte que eu vou te aliviar, nem você sendo minha melhor amiga de infância!
- Caramba, Suzie! Fica calma..
- Você veio aqui pra me dar força ou pra enterrar de vez! Quer que eu entre em depressão? E se o exame der positivo, que que eu faço? Aquela bendita porta branca não abre, que será que a Dra. Claudia e a assistente estão fazendo há tanto tempo?
- Calma, Suzie. Desculpe. Tem razão. Mas não passou tanto tempo assim, só quinze minutos. E você não vai morrer. Tem que pensar positivo, isso tem. Pára de ficar assustada, concentra, firma o pensamento em que você está com saúde, vai, firma.
- É porque não é com você. Fácil falar. Tantos lugares que eu queria conhecer... Sempre adorei viajar, já que a gente não casou, né sister.
- Casar com quem? Os homens estão todos casados... Não vou dizer o resto que é “polìticamente incorreto”. Eu queria voltar a Bonito. Voltar ao Pantanal. E você, Suzie?
- Eu queria ir pra Porto de Galinhas.
- Mas você é totalmente urbana, quer fazer o quê em Porto de Galinhas?
- Com aquela infra-estrutura toda, meu bem, porque não? Só por uns dias. Também queria conhecer São Luis do Maranhão e talvez Recife e Olinda.
- E o exterior, Suzie?
- Estou fora. Aliás estou fora de tudo, do planeta, da vida, se o exame não vier bom, quando é que essa maldita porta branca vai se abrir?
- Melhor dizer bendita, Suzie. Calma. Você estava distraída e voltou pra expectativa. Que situação! Não sei mais o que dizer. Já estou perdendo o controle, eu é que vou ter um ataque do coração, já, já...
- Nem posso te oferecer um copo d’água, Vânia, a garota não aparece... Pra quê que aquela Betty Friedan queimou soutiens, lá nos anos ’60? Nós continuamos tão... frágeis!
- Ôxi, Suzie, qualquer pessoa fica frágil numa situação dessas, não retroage. Contemporânea, se faz favor...
- Sei. Se eu tiver tempo...
- Está chamando, Suzie. Quer que eu vá com você?
- Não. Fica aí.
.........
Suzie voltou com um sorriso nos lábios. O exame deu negativo. Alisou a porta branca, deu beijinho e pediu desculpas por tê-la chamado de maldita. Olhou pra Vânia, com aquele olhar de cumplicidade amiga que partilhavam durante tantas décadas e disse: Vamos viajar!

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