domingo, 22 de maio de 2011

A ALMOFADA COR DE ROSA


- Doutor, não consigo entender como essa almofada cor de rosa aparece reiteradamente nos meus sonhos!
- Calma, não quer sentar primeiro, ou deitar no divã?
- Já estou sentando, obrigado.
- Você parece muito ansioso. Vamos recomeçar com essa questão da almofada cor de rosa. Quando foi que começou isso mesmo?
- Há dois meses.
- E... Aconteceu alguma coisa importante há dois meses atrás? Tente se lembrar.
- O senhor me pergunta isso em todas as sessões! Eu não sei dizer, não me lembro de nada marcante...
- Pense mais, tente um pouco mais...
- Não houve nada, doutor, já cansei de pensar.
- Então alguma coisa, algum objeto cor de rosa que tenha aparecido no seu dia, naquela época...
- Há dois meses atrás?
- Sim, tente...
- Huum... Nada...
- Mas...
- Espera! Teve um lance da minha mulher tirar um papel cor de rosa do bolso... Sim, isso aconteceu.
- Descreva melhor a situação, por favor.
- Bem, a gente se encontrou pra almoçar, no centro da cidade e ela tirou um papel cor de rosa do bolso, riu e não disse nada.
- E você, não perguntou nada?
- Não, nem me toquei. Ela vive escrevendo bilhetinhos nesses papeizinhos afrescalhados, essas coisas que mulher gosta... Hello Kitty, sei lá.
- Peraí, mas a tua mulher já é grandinha pra gostar de Hello Kity, quem gosta disso é minha neta! É isso mesmo, ela gosta disso?
- É frescura de mulher, doutor. Bloquinhos, coisas assim. É claro que ela não usa pulseirinha, blusinha, bolsinha de Hello Kitty, era só o que faltava! Isso até me chateia porque quando quero escrever um bilhete qualquer, vou procurar nas gavetas e só acho bloquinhos e papeizinhos de Hello Kitty , cor- de- rosinhas. Já disse a ela mas ela disse que se eu quero bloquinhos eu que compre os meus.
- Mas, então , volte para os sonhos. A única pista que você tem são esses bloquinhos que lembram a almofada porque têm a mesma cor. É isso?
- O senhor é quem sabe! Eu não vejo relação nenhuma entre uma coisa e outra.
- Mas existe uma. Vamos tentar esse caminho. O bloquinho, ou melhor, o papelzinho cor-de-rosa que sua mulher tirou do casaco e recolocou ficou sendo uma coisa oculta pra você. Algo que você diz não ter se interessado na hora porém que você percebeu. E a almofada que aparece nos sonhos não deixa de ser oculta porque você não sabe o que é, do que se trata, certo?
- É mesmo! Pode ter relação, sim, uma coisa com a outra. Mas ainda não faz sentido pra mim.
- Quanto mais pra mim que não sonho com almofadas cor-de-rosa! Estou brincando. Mas me diga, de que tamanho é essa almofada cor-de-rosa que aparece no sonho?
- Caramba, doutor, dois a zero pro senhor. A almofada é do tamanho desses papeizinhos que a minha mulher usa pra anotações.
- Pequena assim?
- É.
- Bem, poderia ser uma almofada dessas que as mulheres usavam antigamente pra segurar alfinetes enquanto costuravam mas isso não é do seu tempo nem do tempo da sua avó. É do tempo da minha avó, no máximo. Talvez da minha mãe...
- Quem falou? Tem um lance, sim. Me lembro. Vagamente mas me lembro, caramba... Quando eu era pequeno e às vezes ficava com a minha avó, eu ficava brincando no chão, aí a gente ouvia o barulho de porta e era o meu avô chegando. E quando ele entrava minha avó fincava sempre um alfinete na almofadinha cor-de-rosa... É isso... Engraçado que ela sempre fincava um alfinete bem na hora que ele chegava, como se ela estivesse com raiva mas não quizesse dizer nada.
- Hum... Interessante. Será que, talvez, é só uma hipótese, que talvez ela fizesse isso porque poderia ter algo de misterioso na vida do seu avô e que ela se recusava a saber? Mas talvez intuísse que boa coisa não era, pelo o menos pro lado dela...
- Como assim? O senhor está dizendo que talvez meu avô tivesse uma amante?
- Pode ser. Hoje em dia as pessoas se separam se não confiam mais uma na outra. Em geral se separam, mas antigamente, no tempo da sua avó, era diferente, certo?
- E o que isso pode ter a ver comigo?
- Será que, pelo o fato de você não ter querido saber do que se tratava aquele bilhete, que a sua mulher tirou do bolso, olhou, sorriu e guardou de novo...será que você não estaria reproduzindo o comportamento da sua avó? Não perguntou porque não quer se aborrecer, não terá sido isso?
- Mas, peraí, doutor... Deixa eu pensar... Bem, eu confio na minha mulher.
- Será?
- Acho que sim! Não acho que tenha motivos pra desconfiar dela, nosso casamento é ótimo, normal...
- Quantos anos de casados mesmo?
- Quinze, doutor. Não é pouca coisa. O pessoal está se separando muito antes disso. A gente até tem dificuldade de manter casais de amigos porque de repente tudo muda e é um cano pra nós, pros amigos em geral.
- Voltando ao assunto... Seu casamento é normal mesmo? Olha que quinze anos é o tempo limite tipico do “ou vai ou racha”.
- Por quê?
- Porque nos primeiros três ou quatro anos o casal está curtindo a novidade do casamento, nos seguintes está curtindo a novidades dos filhos. Primeiro um, depois outro, às vezes o terceiro.
- Quê isso, doutor, ninguém taí pra ter mais de dois filhos hoje em dia, pelo amor de Deus.
- Vá la que seja. Ainda assim vem o periodo do bebêzinho bonitinho, o irmãozinho ou irmãzinha, viram crianças... até que começam a ficar adolescentes chatinhos, com onze, doze anos, o casal com seus quinze de casados mais ou menos... Enfim, generalizando, para alguns parece que tudo perde a graça ao mesmo tempo nessa época.
Que você diz sobre o seu casamento? Está perdendo a graça?
- Olha, doutor, se está ou não eu não sei dizer mas que é essa a fase
que estamos vivendo em relação a filhos, etc, isso é mesmo.
- O que quer dizer etecetera?
- Bem, no caso é que estamos transando menos mesmo, é verdade.
- Mas você perdeu o interesse pela sua mulher ou tem atração por
outras?
- Atração a gente sempre tem, né, doutor... Com a oferta hoje em dia...
- Mas você trai a sua mulher?
- Não, isso não. É complicado, dá trabalho... E posso até pegar a
doença. Deixa eu isolar, com licença...
- Então você sente atração pela sua mulher...
- Claro! Ela é muito interessante, não tem dúvida.
- Bem, estamos chegando mais perto em decifrar o enigma da
almofada cor-de-rosa que vem te incomodando... Vamos parar agora.
Continuamos na próxima sessão. Dê-me cá um abraço, como se
dizia antigamente.

O paciente saiu. Voltou para o trabalho , tentou não pensar no assunto, mas volta e meia as novas revelações voltavam à sua mente. Seguiu assim por uns dias.
Pensou em procurar o casaco que ela estava usando no dia em que almoçaram juntos, dois meses atrás, mas achou invasão de privacidade.
Depois reconsiderou e foi procurar o bilhete no bolso do casaco. Não encontrou.
Ponderou que realmente estavam meio hostis um com o outro. Havia uma má vontade no ar. E, se fosse analisar com sinceridade a hostilidade era maior por parte dele.
Ele sempre tentava irritá-la de algum modo. Será que se sentia preso depois de tantos anos? As crianças estavam mesmo chatas. Tanta mulher dando moleza por aí.
Mas a questão não era ele, era ela. Como ela reagia às provocações dele?
Reagia, quase sempre. Ele conseguia irritá-la, o que não é difícil porque as mulheres são facilmente irritáveis. Mas às vezes ela se controlava. Principalmente na rua. Ela bem “lady like”, odiava falta de classe. Disso ele tinha gostado desde o inicio e valorizaria sempre. Pensou em quantas vezes ela parecia se controlar. Ficou emocionado até. Quando ela chegou do trabalho combinaram de almoçar juntos no dia seguinte.
Foram. Quando iam atravessar a rua ele tentou irritá-la olhando para uma mulher vistosa que passava. Puro vicio. Achou a tipinha bem vulgar até mas tinha que irritar a mulher.
Viu que ela puxou o bendito bilhete cor-de-rosa do bolso, leu, sorriu e continuaram.
Agora quem estava grilado era ele. Que p... era aquela?
Não teve coragem de perguntar. O analista estava certo, ele estava fugindo do assunto.
No dia seguinte saiu mais tarde que ela para o trabalho resolvido a achar o tal bilhete, senão no blaser que ela vestira, no lixo, onde pudesse estar.
Foi ao blaser. Achou. Leu. Sentou na cama. Foi como se tomasse um banho de água fria ali mesmo sentado na cama. Sorriu. No bilhete estava escrito : “Lembre-se que este foi o rapaz louco por você com quem você se casou, apaixonada, teve um casal de filhos, formaram uma familia. Com isso não se brinca”. Do lado um coraçãozinho e a rubrica.
Era a cara dela!

Nenhum comentário:

Postar um comentário