segunda-feira, 20 de junho de 2011

O combinado não sai caro
20 de junho, 2011

Bruno e Mariana desceram para a piscina do condomínio. Era domingo e tinha bastante gente mas nunca ficava tumultuado porque muitos moradores iam para a praia. O ambiente estava silencioso. A não ser por Bruno que logo que se acomodou na cadeira pegou o celular e telefonou para seu melhor amigo, Gabriel.
Mariana ficou quieta por quase uma hora, tomando sol enquanto Bruno conversava com o amigo.
Teve tempo de pensar em seu casamento, há um ano atrás. Tudo aconteceu melhor do que ela havia imaginado. A igreja estava repleta de lirios brancos, puseram um tapete vermelho, como ela pediu. A igreja, barroca, já tinha diversos detalhes decorativos folheados a ouro, nas capelas, no altar, no teto e também nos santos que ficavam em nichos nos cantos ao longo da pequena nave central. Mariana achava que ouro e vermelho eram as cores que mais representavam o luxo. Tudo o que tinha visto, até agora, nas revistas, nas festas, em algumas viagens deixaram isto bem claro para ela. E no dia em que ela era a protagonista queria tudo em ouro e vermelho, um luxo. Seu vestido ficou romântico e contemporâneo ao mesmo tempo, meio Grace Kelly com Lady Gaga – o costureiro pegou o espírito da coisa. A festa também foi perfeita, Bruno não estava falando no celular.
Lembrou dos votos que os dois fizeram de “amar e respeitar”. Nem era católica. Foi batizada, fez a primeira comunhão e casou na Igreja, como a maioria faz, mais por uma questão de tradição, para usar o vestido de noiva, o véu e a grinalda, ser a princesa do dia diante de todos, o sonho social romântico. Nunca ia à missa e não pensava em Deus. Só pensava que durante seu casamento com Bruno este quase sempre empunhava um celular ao lado dela. Isto era amor e respeito? Ele estava sempre com outra pessoa enquanto seus corpos eram vizinhos. Procurou pensar em outras coisas. Era casada há muito pouco tempo para se dar por infeliz.
Quando Gabriel desligou o celular após falar com seu amigo Bruno, no silêncio do metrô em que todos ouviam sua conversa, calados, sua meta era encontrar os amigos no cinema.Porém, quando viu já estava na Tijuca e teve que voltar tudo. Chegou muito atrasado. Resolveu comprar ingresso para a sessão seguinte porque queria ver Piratas do Caribe 4 mesmo que sòzinho. Saiu caro seu atraso.
Quando o filme Piratas do Caribe terminou Renata, percebendo que Gabriel não tinha se juntado à turma, telefonou para ele mas este não atendeu. Renata foi, então, com a turma para uma pizzaria e insistiu algumas vezes nos telefonemas. Todos atenderam algumas ligações em seus celulares enquanto comiam pizza fisicamente juntos. Quando terminaram de comer, Renata, que estava levemente interessada em Gabriel, quis voltar para o cinema, que era perto para ver se o encontrava e se separou da turma. Procurou Gabriel no café, na livraria, ligou várias vezes e o celular de Gabriel sempre dava fora de área. Viu que, com isto, tinha se atrasado para a formatura do primo e iria ter que tomar um taxi, não dava tempo de ir de metrô ou ônibus. Este desencontro, para sua mesada, lhe custou caro. Conformou-se e fez sinal para um taxi.
O motorista foi bem até Copacabana, antes do celular dele tocar. Renata foi ficando cada vez mais irritada porque o homem só falava abobrinhas com a esposa, parecia esposa, sobre como cortar a carne em bifes e outras bobagens, enquanto dirigia. Para Renata ela estava pagando a corrida e o profissional estava pondo a vida dela em risco porque estava se distraindo na direção enquanto conversava com a mulher. Meu bem pra lá, meu bem pra cá e Renata cada vez mais irritada, porém tímida demais para reclamar. Ficou com medo de que o motorista ficasse agressivo, estivesse armado ou no mínimo a pusesse para fora do taxi o que iria lhe atrasar ainda mais. Com estranhos nunca se sabe. Resolveu telefonar para sua mãe, não que precisasse falar com ela mas precisava se defender, se escudar daquele estranho. Nas cidades grandes, onde as pessoas não se conhecem, quando se sai para as ruas é bom colocar a armadura, se defender na competição, empurrar antes de ser empurrado e , no meio da multidão, em caso de insegurança, desembainhar seu celular e telefonar para alguém conhecido, qualquer um que nos ame e nos valorize enquanto transitamos no meio de estranhos para quem não temos o menor valor e a menor importância. Se ela não tivesse o que dizer, sua mãe certamente teria, nem que fôsse reclamar porque todos a estavam esperando para irem à formatura do primo. Outro dia sua mãe reclamou, durante uns quinze minutos, sobre o aumento dos preços da manteiga, do feijão e de outros itens e enquanto declinava a série de itens Renata pensava no horrivel fim de semana que a esperava, tendo que estudar matemática. Já que a mãe estava falando de comida aproveitou para pedir que fisesse um bolo de laranja, seu consolo nas penosas horas de estudo. Enfim chegou no Leblon, livrou-se daquele motorista, a corrida saiu cara mas em compensação o celular tocou e era Gabriel. Combinaram de se encontrar no dia seguinte. Quem sabe ela teria uma chance com ele.
Mariana acordou e olhou com prazer para a decoração de seu quarto, tudo novo, escolhido por ela e Bruno, para o apartamento, também novo, no condomínio que tinha tudo, como ela queria: sauna, piscina e play para os filhos que viriam. Na casa de seus pais quase nada mudava desde que ela tinha nascido, a não ser os eletrônicos. E só tinha garagem para um carro e olhe lá. Ela passou os anos da faculdade procurando vaga na rua quando chegava, um suplício diário. Agora, não. Tinha tudo o que queria. Olhou o mar ao longe, linda vista, indevassável. As cortinas eram apenas elementos decorativos e não defesa da intimidade.
Bruno já tinha saído para o trabalho. Ela tinha marcado com duas clientes, precisava se apressar. Por enquanto estava trabalhando com decoração. Mas ela era jovem, poderia expandir, conseguir contratos para decorar escritórios, portarias de prédios porque antevia seu progresso nesta direção já que gostava mais de decoração do que de arquitetura pròpriamente.
Mariana desceu até a garagem, passando por alguns vizinhos que cumprimentou por conhecê-los da piscina e das reuniões de condomínio. Alí iria criar seus filhos como nas cidades pequenas, onde todos se conhecem e se ajudam, diferente desta selva de pedra onde foi criada, embora adore sua cidade. Ligou seu carro, o rádio, o celular com os fones e não demorou nada para a primeira ligação do dia acontecer, era sempre assim. Porém se distraiu com as ligações, se atrapalhou no trânsito, teve que fazer retornos longos e cansativos e resolveu partir para a segunda cliente. A primeira cliente telefonou muito irada e cancelou seu serviço de forma quase grosseira, como uma menina mimada. Mariana teve que se conformar: Se não se cumpre o combinado, pode sair caro.
Alguns meses se passaram, Bruno não perdia a mania de falar no celular na companhia de Mariana, em qualquer lugar onde estivessem. Por outro lado, Gabriel, seu amigo e frequentador do apartamento, estava cada vez mais presente e não tirava os olhos dela. Enquanto Bruno falava no celular Mariana e Gabriel iam se conhecendo cada vez mais.
Até que um dia, tudo ficou claro para os dois. Mariana não perdeu tempo. Explicou, como pôde, para Bruno sobre sua afinidade com Gabriel. Arrumou suas malas e foi para o apartamento de Gabriel, que já a esperava para recomeçarem suas vidas. Também era um apartamento novo, num condomínio que tinha tudo e a decoração estava boa. Só teria que jogar fora todos os objetos que foram escolhidos pelas ex-namoradas de Gabriel.
Bruno demorou mais a entender a situação. Para ele não foi tão simples assim. Ia para a piscina, sentava e procurava respostas. Tinha conversado com seu lúcido pai, com sua perspicaz mãe, com seu preparado psicanalista, com um padre e até mesmo um rabino estudioso da Cabala mas ninguém conseguia consolá-lo. Desligou o celular que vibrava de forma irritante, o sol bateu com força em seus olhos e foi então que, olhando para o celular percebeu o quanto tinha escondido seu coração de Mariana. O quanto tinha se recusado a se entregar àquela relação. O quanto tinha se defendido atrás daquele celular e todas as ligações vãs. Neste momento viu Mariana chegar com Gabriel vindo em sua direção. Combinaram o horário em que o caminhão iria passar para pegar os objetos mais pesados que pertenciam a Mariana e ainda estavam no apartamento de Bruno.
Mariana se afastou com Gabriel. Bruno a olhou finalizando seu luto. Reconheceu sua culpa, não tinha cumprido o combinado nos votos do casamento. Não precisava mais se rebelar: Porque logo com ele? Porque logo com Mariana? Teria que se acostumar com sua ausência. Aceitou a perda, resolveu se desapegar. Quando Mariana já ia longe, quase fora de sua vista disse, sabendo que não seria ouvido por ela mas que seria ouvido:
- Vai com Deus, Mariana!

Um comentário:

  1. O texto de ficçao aborda o tema do mau uso do celular. A energia nuclear e a tecnologia podem ter um uso muito útil como podem destruir o ser humano ou os relacionamentos.
    Nas tragédias não há culpados. No caso do personagem, seu comportamento reiteradamente equivocado o levou ao desfecho. De qualquer forma, da perda à aceitação o processo é longo e doloroso quando um jovem é marcado pela vida.

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