terça-feira, 19 de abril de 2011

Telefone sem fio


Virginia, você sabe o quanto eu sou “tarada” por flores mas como ele pôde me mandar um ramo de violetas muchas? Como posso recuperá-lo, no estado em que já está?
O pai de Hortênsia passou correndo porta afora porque já estava atrasado mas uma frase lhe ressoou no ouvido: eu sou tarada.
Minha filha é tarada? Mas como? Por quem?
Seguiu aflito porque precisava ser pontual em seu compromisso, tentou se concentrar na reunião que o aguardava, negociação difícil. Deixaria esse problema para a mãe de Hortênsia já que ela era psicóloga e dispunha de mais tempo que ele para lidar com os problemas familiares.
O irmão de Hortênsia havia passado batido pelo corredor porque não tinha levado a toalha para o banheiro. Passou nu em pelo sem deixar de se assustar com o que ouviu: como posso recuperá-lo no estado em que está?
O que significava aquilo? Sua própria irmã envolvida com algum alcólatra de quinta categoria? Teria ouvido bem?
Vestiu-se à jato e rumou para o curso de computador porque sem isso não teria a menor chance de arrumar emprego e sua mãe não o deixaria em paz enquanto não estivesse trabalhando.
Hortênsia desligou o telefone e dirigiu-se para a varanda, sem grandes esperanças de recuperar o ramo de violetas mas ainda assim iria replantá-las em um vaso.
Em seguida foi até a cozinha buscar o frasco de vitaminas para as plantas e viu a empregada da casa, mexendo a panela enquanto falava no celular. Ao pegar o frasco de vitaminas se surpreendeu ao ouvir Cristiene dizer para alguém, do outro lado da linha: Se ele tentar entrar em meu quarto hoje à noite não vou deixar. Ontem já foi bom demais! O sujeito tem um fogo pra idade dele que eu nem te conto!
Hortênsia saiu, esbaforida, de volta para a varanda, sem acreditar no que ouvira. Então o pai dela estava... com a Cristiene? Não dava para acreditar! Que rolo! Deveria ou não contar para sua mãe?
Pegou sua bolsa e saiu para a rua como quem quer pegar ar. Resolveu comprar um vaso de margaridas, simbolo da pureza e um de girassois, que, como o próprio nome diz, procuram sempre a luz do sol, o que para Hortênsia simbolizava querer sempre se ligar ao lado positivo das coisas. Porém voltou desconsolada para casa. Não havia nada de positivo naquilo que ouvira.
No entanto ela precisava respirar fundo, levantar o ânimo porque tinha que ir à casa de três alunos, à tarde, dar suas aulas de inglês. Como nunca havia percebido nada!
Sua mãe já estava em casa para o almoço. Podia ouvir suas risadas escandalosas do corredor do andar. Como os vizinhos aguentavam aquilo! Enquanto tirava as chaves da bolsa, toda atrapalhada com os vasos de flores, ouviu sua mãe sussurar, no celular, atrás da porta : Também te amo mas vamos deixar isso em segredo por enquanto já que nada é melhor do que uma boa surpresa, não acha, meu bem?
Hortênsia prendeu a respiração e esperou um pouco para entrar em casa. Cumprimentou a mãe com forçada naturalidade e dirigiu-se para a varanda, para colocar seus vasos de flores.
O que estaria acontecendo naquela casa? Seu pai de caso com a empregada e sua mãe de caso com... quem?
Assim, quem vai precisar de um psicólogo sou eu, pensou.
Já na rua, dirigindo-se para a casa de sua primeira aluna pensou no prazer que as flores lhe davam.
Elas eram bonitas, cheiravam bem, alegravam qualquer ambiente.
Sua mãe insistira com o pai para que mudassem para um apartamento com varanda por causa “do vicio de Hortênsia em comprar flores e mais flores”. Alugaram um apartamento com uma boa varanda mas o pessoal já estava reclamando do espaço que as flores dela estavam ocupando.
Não se importava. Com essa vida corrida que todos levavam, essas conversas estranhas que sua cabeça se recusava a assimilar, só as flores conseguiam lhe dar alegria. Na volta para casa passaria no quiosque e compraria mais dois vasos, se o dinheiro desse.
Este pensamento lhe causou imediato bem estar porque fazia parte do prazer que sentia decidir que flores compraria.
Pensou em hortênsias mas não estavam bonitas nessa época. Pensou em lirios, faltava decidir a cor. Talvez se comprasse uma planta, quem sabe espada de São Jorge para melhorar o clima de sua casa; talvez um raminho de arruda...Mas não. Flores, sempre flores. Decidiu-se por lirios e rosas cor-de-rosa para acalmá-la durante o jantar.

Durante o jantar o clima estava visìvelmente tenso. Ela mal podia encarar seu pai ou sua mãe.
Porém reparou que seu irmão a olhava de forma estranha. E, pensando bem, seu pai também. O que estaria acontecendo?
Seu pai pediu explicações à sua mãe do que se deveria entender por “tara”. Hortênsia quase engasgou.
Seu pai se metendo com a empregada e perguntando à sua mãe o que era “tara”? Hortênsia correu até a varanda e cheirou as rosas cor-de-rosa afim de se acalmar.
Seu irmão perguntou ao pai se já não estaria na hora de ser liberado para tomar uma cervejinha no jantar. Afinal ele nunca de tornaria um alcólatra, o pai não precisava se preocupar. Ele saberia ser moderado e jamais ficaria “num estado em que fôsse impossível se recuperar”.
Sendo professora de linguas ela pôde perceber o quanto ele saboreou as palavras enquanto a olhava fixamente. Não entendeu.
Será que o irmão também sabia da conduta do pai e atribuia isso às cervejinhas que este consumia todas as noites? Porque olharia para ela? Acaso esperava cumplicidade?
Enquanto isto seu pai e sua mãe trocavam olhares de... justamente...cumplicidade. Era demais! Melhor ir dormir.

No dia seguinte acordou com um barulho de pessoas falando alto na sala. Foi até lá para ver o que era, de pijamas mesmo.
Surpreendeu-se ao ver seu pai, sua mãe, seu irmão, Cristiene e o vizinho, viúvo – todos na sala sorrindo e se congratulando.
Soube, então, que sua mãe e seu pai tinham conseguido uma bolsa de estudos para seu irmão fazer um curso de seis meses na Califórnia, seu grande sonho. Sonho esse que provavelmente tinha mais a ver com surf do que com estudos propriamente. Mas, tudo bem. Então era essa a razão do telefonema sussurado de sua mãe, que estava falando com seu pai sobre a surpresa.
Quanto a Cristiane, foi informada que o vizinho viúvo não queria perder mais um minuto em tornar público seu romance com a empregada. Perderiamos a empregada e ganhariamos uma vizinha. Então era isso. Uffa!
Em seguida foi interpelada por seu pai e seu irmão que declararam querer aproveitar o clima de grande sinceridade daquele momento e saber de Hortênsia que estoria era aquela de “tara” e de estar metida com alguém “num tal estado que não havia mais recuperação”. Se poderiam ajudá-la.
Ajudar-me? Não acredito! Desfez o mal entendido informando sobre as violetas murchas e já que não podia atirar pela janela todos os celulares e telefones da casa, foi até a varanda, contemplou suas adoráveis flores e resolveu comprar mais duas naquele mesmo dia.

Um comentário:

  1. kkkkkkkkkkkkk... Adorei! O final não esperado foi D++++++ Toda vez que tiver escrito um novo conto me avise, amiga! Mais uma vez meus parabéns! Você é muito criativa!

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