terça-feira, 26 de abril de 2011

Eu percebi


Querida, lembra quando nos conhecemos?
Te convidei para irmos ao cinema e você recusou. Já tinha compromisso com as amigas.
Tentei, duas semanas depois, apesar da minha timidez e fui bem sucedido.
A partir de então fomos nos conhecendo cada vez mais e nos identificando. Fiquei fascinado por sua beleza e inteligência, pelo seu senso prático e iniciativa.
Não sei o que você viu em mim mas eu consegui o que queria: casar com você.
A partir daí você governou a minha vida. A nossa: A minha, a sua , a da nossa família.

Eu sei que você acha que eu sempre fui o “manda chuva”, o que dava as ordens, aquele que
gritava para ser obedecido. Mas, não. Embora seja difícil para mim falar dos meus sentimentos, devo confessar que gritava porque tinha medo. Medo de que você fôsse mais forte do que eu.

Quantas vezes tive que agüentar seus ataques de irritação com o que eu fazia ou deixava de fazer. Como as mulheres são irritáveis! Minha mãe também era assim. Mas devo te dizer agora, que apesar de ter me calado ou reagido com a mesma irritação, a razão estava do seu lado. Suas decisões eram as corretas, as mais sensatas. Graças a você a ordem se restabelecia, os assuntos eram resolvidos ou devidamente adiados e tudo se normalizava.

Você se queixava porque eu calava, não cooperava, não me envolvia. Quantas oportunidades eu perdi em que poderia ter simplesmente respondido: Você resolve isso muito melhor do que eu, porque vou atrapalhar? Talvez fôsse o orgulho masculino que não me permitia relaxar, admitir que um homem precisa de uma mulher. Uma mulher como você.

Houve um dia, há décadas atrás, que cheguei tarde do trabalho e com fome. Você já tinha ido dormir. Havia um prato de comida separado para mim mas eu estava cansado demais para sequer esquentar um prato de comida. Percebi, no fundo da geladeira, um último pedaço do seu queijo preferido. Fui dormir sem nada comer. Será que isso é amor?

Eu deveria ter te levado mais vezes para dançar mas estava cansado de trabalhar. Eu deveria ter ajudado nosso filho na tarefa escolar, mas estava cansado. Eu deveria ter te consolado quando você chorava, sonhadora, olhando as estrelas mas eu estava ocupado fazendo contas e... na verdade não saberia o que dizer, não sei lidar bem com sentimentos. Mas eu percebi. E pensava estar me redimindo cada vez que te levava flores ou uma caixa de bombons. Fiz como aprendi.

Não somos mais jovens. Tantas vezes nos alegramos, tantas vezes nos aborrecemos. Tantos anos usufruimos de nossas semelhanças e toleramos nossas diferenças. A quantas coisas nos habituamos, estabelecemos limites, territórios, horários para um melhor convívio. E quantas implicâncias nos desgastam , nos atormentam, te devastam, porque desrespeitamos estes mesmos limites, territórios, horários. Mas tenho que admitir mais uma vez que a razão está sempre ao seu lado. Que talvez eu me comporte como um filho que quer a atenção da mãe, ou mesmo um marido que quer a atenção da esposa porque tenho medo. Já sou capaz de admitir. Se você não estiver por perto, quem vai cuidar de mim?

Querida, Deus permita que eu parta antes de você. Estarei lá, à tua espera, de braços abertos.
Só é preciso que você atenda ao meu pedido e seja o que sempre foi: mais forte do que eu.

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