quinta-feira, 22 de julho de 2010

MEU ADVOGADO

- Ai, que stress!
- Por favor, Adriana, poupe-me dessas expressões pra lá de gastas! Stress, stress, que que é isso, afinal?
- Ai, não sabe o que é stress, não? Eu não sei outra palavra, pitomba!
- Eu te ensino, criatura: que desgosto, que maçada (não, essa é muito antiga pra você), que nervosismo, que desgaste, que situação difícil. Pegou?
- Quê?
- Eu perguntei se você entendeu.
- Ah, bom. Você falou pegar... pra mim pegar é outra coisa.
- Você falou, não. Você disse.
- Quê?
- Deixa pra lá. Vê se entende que se você parecer vulgar desse jeito o juiz não vai te respeitar nem te dar crédito.
- Como assim?
- Céus! O juiz não vai acreditar no que você diz. Não vai acreditar na sua versão dos fatos, percebeu?
- Deu pra entender. Mas o que que você quer que eu faça? Aprenda a falar igual a você, com esse jeito todo empolado senão o juiz vai achar que eu não tou falando a verdade? Que p... de juiz é esse que saca as pessoas pelas aparências? As aparências enganam, sabia disso?
- Sabia, Adriana.
- Essa eu aprendi por aí. Algum cara meio culto, sei lá.
- Adriana, você não está entendendo a seriedade da tua situação. Prostituição é crime e temos uma suspeita de homicidio pra piorar muito as coisas.
- Mas eu não sou prostituta. Eu dou pra quem eu quero. Se o cara tem grana e resolve me recompensar, ainda mais sendo gringo... que culpa eu tenho se o cara quer me agradecer, me agradar, qual é?
- Você tá me dizendo que não bota preço, pra falar a tua lingua, é isso?
- É, ué.
- Mas você fica num bar de calçada de rua, na avenida da beira mar, sentada com umas amigas parecidas com você, tarde da noite, vestida com roupas provocantes, aceita ir pra cama com um estranho, que mal fala português, e ele não te pergunta quanto você cobra?
- Peraí! Que que tem beber e conversar com as amigas? Que que tem meu modo de vestir? É igual a qualquer garota da minha idade, qual é?
- Mas o sujeito não te pergunta quanto você cobra?
- Olha cara, até pergunta mas eu só vou quando eu quero, quando eu acho o cara legal, se ele não tiver bêbado nem drogado.
- Responde, Adriana. Ele te pergunta quanto você vai cobrar?
- Até pergunta.
- E?
- Ah, eu digo que não é por aí, que eu gostei dele, que não tem nada a ver.
- Mas o que você pretende, afinal?
- Como assim?
- O que você espera do cara, desses caras, dessa vida que você leva?
- Olha, cara, no fundo, no fundo, eu queria mesmo era casar com um gringo desses, ir morar na Europa, levar uma vida de luxo, de primeiro mundo, como se diz por aí.
- Mas, Adriana, você acha mesmo que algum cara que te leva pra cama no primeiro encontro, vai casar com você e te dar uma vida de luxo no estrangeiro?
- Nunca se sabe, ué. Já rolou com amigas minhas.
- Você teve noticias delas, Adriana?
- Não. Só uma ou duas.
- E?
- E que uma tava trabalhando de garçonete, não deu certo, sabe? E a outra, nem me lembro... Mas acho que também não deu certo.
- Adriana, presta atenção. Nós temos dois problemas aqui. Um, provar pro juiz que você não é garota de programa...
- Não sou não..
- Tá, calma. Dois, é provar que você não teve nada a ver com a morte dele. Que o sujeito teve um ataque de coração na hora H, em cima de você.
- Foi isso mesmo. Eu gritei muito, foi horrível.
- Eu sei, calma. Os hotéis não gostam de escândalos e te deram calmantes. Isso é bom porque se você estivesse num apartamento com o sujeito, ia ser muito pior pra você. Além disso os exames vão comprovar que o sujeito, que já não era novo, teve um ataque de coração.
- Ah é?
- É. Mas eu preciso que você vá às audiências bem vestida, sem decotes e micro-saias. Muda essa cor de cabelo pra um tom mais natural, menos vulgar. Vou te dar o endereço do cabelereiro e grana suficiente pra você chegar na loja onde uma moça vai te orientar sobre o que vestir. OK?
- Como assim? Que esquisito... Eu não vou presa e ainda vou ganhar roupas e cabelereiro de grátis?
- Valha-me Deus! Por enquanto, Adriana. Mas tem mais. Você vai receber algumas aulas de boas maneiras e aprender como falar com o juiz e o que responder, entendeu?
- Vou ter que decorar texto, igual às celebridades da Globo?
- Não é bem decorar, senão vai parecer falso. Você vai aprender o que dizer, ok? E fecha o bico, tá ok?
- Sei lá se tá ok. Eu tô falando a verdade, você entra nesse quarto de hotel e me diz pra fazer uma porção de coisas falsas que aí vai ficar legal... Tudo bem! Você que é o advogado.
- Agora vai, que já está amanhecendo. Telefona amanhã pra mim, às dez. De orelhão, o que for.
- Eu tenho celular, cara. De cartão mas tenho.
- Então tá. Me liga sem falta. Eles vão te levar em casa.
- Pode deixar que eu não vou fugir.
- Tá bem mas eles vão te levar. Tchau.

Acompanhou com os olhos aquela garota que saía. Pobre, burra e pretenciosa. Ingênua, metida a esperta, verdadeira. Produto dessa sociedade que aí está.
De quantas meninas iguais a essas ele ainda teria que “livrar a cara”, como já tinha livrado de tantas?...
Um trabalho que era sempre regiamente pago pelos hotéis.
Com esse dinheiro ele podia comprar a melhor educação para suas duas filhas. Era a lei.

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